A maior parte da área de Balasar fica
entre Ave e Este, o resto inclui-se entre Cávado e Este. O facto de se repartir
pelas duas margens do rio, aliado a outros factores históricos, fez sempre da
freguesia uma terra de fronteira.
Religiosamente, integrou-se muito tempo
em Vermoim, que acabava em Guardinhos. Depois passou para o Arciprestado de
Vila do Conde e Póvoa de Varzim, que termina a nascente da freguesia.
Civilmente, começou por pertencer ao
julgado e Faria, que ali acabava, pois Fradelos, por exemplo, já não lhe
pertencia; depois integrou-se no grande concelho de Barcelos (1);
passou a seguir para o da Póvoa, não sem durante breve período ser incluída no
de Famalicão. Hoje, encravada entre terras dos concelhos de Barcelos, V. N. de
Famalicão, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, limita o distrito de Porto com o de
Braga.
Quando se observa o que escreveu o
reitor António da Silva e Sousa nas memórias de 1758, fica claro que esta
freguesia era predominantemente terra do sul do rio: 116 fogos a sul e 19 a
norte. Seis vezes mais fogos a sul que a norte.
Nos 500 anos que medeiam entre o tempo
das Inquirições e o das memórias paroquiais, o número de fogos a norte quase
estacionou.
As quatro igrejas paroquiais que Balasar
teve ficaram todas a sul; as suas vilas medievais, idem; Belsar também foi do sul. Do sul, isto é, de entre Ave e Este.
Vilas,
estradas, pontes e portos
As
vilas de
Balasar
É comum encontrar na área das paróquias
medievais várias vilas rústicas. Há uma cantiga de amigo que identifica essas
vilas simplesmente com casas, mas não eram certamente umas casas quaisquer, mas
casas abastadas:
Vou-me a la bailia
Que fazem em vila
Do amor.
Vou-me a la bailada
Que fazem em casa
Do amor.
As Inquirições só identificam uma vila
em Balasar, a Vila do Casal, mas a toponímia dá conhecimento
de mais duas, Vila Pouca (2) e Vila Nova. A razão por que estas não são
mencionadas é sem dúvida por os funcionários régios não verem nenhuma
necessidade de se ocupar com Gresufes (a que estas vilas pertenceriam) (3).
Estradas,
pontes e portos
Há uma frase latina que afirma que o
conhecimento dos caminhos fornece muita luz à história (4).
Realmente uma reflexão sobre as estradas, portos e pontes é da maior
importância para conhecer o passado de Balasar.
Comecemos pelos portos.
Para a freguesia, em tempos antigos, um
problema crucial era a travessia do rio. No Verão, ela poder-se-ia fazer com
alguma ou até muita facilidade em vários lugares, mas ficava a questão do tempo
invernoso, numa terra onde as cheias alagam campos e onde até se conhecia uma
lagoa.
Como é que os moradores a norte do rio
podiam cumprir, por exemplo, o preceito dominical, tendo de atravessar o Este (5)?
As Inquirições de 1220 falam dum porto (6),
sem qualquer indicação que permita localizá-lo: “o homem que trabalha o campo
do porto dá-lhe (ao senhor da terra)
o seu serviço” (7).
Mas em 1258 vem uma pista que ajuda à sua localização: “Quem quer que trabalhe
no campo do porto de Agistrim, que é
de El-Rei, faça ao senhor da terra o seu serviço de pão” (8).
Certamente este “porto” ligava o norte do rio ao Casal.
Um segundo porto em Balasar era o que um documento de 1181 menciona, o
porto das Fontainhas (portum
de Fontaina), que permitiria a travessia do rio a quem vinha dos lados de
Barcelos ou para lá se dirigia, do sul.
Os acessos da área da antiga Gresufes
são uma questão à parte: parece que havia um eixo principal que ligava a Gandra
a Vila Pouca e a Fiães (e antigamente a Penices), com saída para Barcelos e V.
N. de Famalicão, e um outro eixo de Vila Pouca ao Casal.
De Fiães para Além houve ponte (9). O
Tombo de 1542 também fala do porto de Escariz.
As duas vilas de Gresufes, ali nas
proximidades do remoto castro de Penices e da residência de Correias, em Fiães,
definem um espaço que foi activo.
O nicho do Senhor dos Aflitos é uma obra
pia, mas assinala também um cruzamento considerado relevante.
Onde antes, em Balasar, se falava de
portos, em 1343, assinalam-se pontes,
o que implica um melhoramento de monta: a Ponte
de Curucânio e a ponte de Grades.
A ponte do Curucânio deveria ser a antepassada da da Traquinada (10),
a de Grades (Guardes) ficaria próxima da actual do Vau (11).
Em 1758, havia duas pontes de pau: no lugar
da Igreja, a que viria a ser de D. Benta, e no Casal, a da Traquinada. Por aqui
se vê que o Vau foi predominantemente vau: quem o quisesse passar fá-lo-ia em
tempo mais seco, por poldras, possivelmente; em tempo de mais água teria de ir
ao Casal.
Em 1608, o Tombo da Comenda, ao
delimitar a freguesia ainda menciona (anacronicamente, sem dúvida) um porto por
alturas de Escariz:
Do dito cume do
monte do Xisto, vai […]; e daí continua ao longo do valo da Seara de Manuel
Francisco Malta, de Balasar, até dar num marco antigo que está na entrada da
Azinhaga dos Fiães; e daí corre direito ao rio Este
e desce pela veia de água ao vau do porto
da Lousa e daí ao topete de Montilhão, partindo sempre com a freguesia
de Gondifelos.
No
Inverno, o rio Este alaga vastas áreas agrícolas,
num espectáculo impressionante.
Isso
acontece ainda antes do rio chegar à ponte que vai da Quinta para o Calvário,
mas é sobretudo espectacular a seguir, devido àquela ligeira elevação onde está
o Lousadelo e que ainda avança para norte.
Ela estrangula a corrente, que, por ter dificuldade em escoar, submerge então
larga porção da margem.
Nos
escritos da Alexandrina, há uma referência à corrente impetuosa do rio, mas não
propriamente a uma cheia:
Uma vez fui visitar a minha madrinha e tive de atravessar o rio Este,
que levava grande corrente, chegando a abalar umas pedras que serviam de
passadiço; e, sem reparar no perigo a que me expus, atravessei a corrente por
essas pedras e a água ia-me levando. Foi milagrosamente que escapei à morte,
bem como minha irmã que me acompanhava.
Mas se o rio, em momentos de cheia se
transforma em verdadeiro lago, noutros períodos do ano proporciona encantos
bucólicos.
As cheias de final de 2009 não foram
certamente as maiores aí conhecidas, mas colocam-se aqui algumas fotografias
que mostram uma Balasar que só bastante raramente se pode admirar e
que põem em evidência como o rio a dividia.
Os assentos paroquiais conservam memória
de vários afogamentos no rio Este. Por exemplo, este:
Aos três dias do
mês de Abril de mil setecentos e oito, faleceu António Álvares, de Gresufes,
sem sacamentos: caiu ao rio, morreu afogado. […]
***
Bom
barqueiro, bom barqueiro
- Bom barqueiro, bom barqueiro,
Deixa-me passar,
Tenho filho pequeninos,
Não os posso sustentar.
- Passarás, passarás,
Mas algum há-de ficar;
Se não for o da frente,
Há-de ser o de trás.
Trecho popular recolhido pela Prof.ª
Zulmira Linhares e que em Balasar faria um sentido que não tinha em muitos
outros lugares.
Balasar, vila
luso-romana?
Escreveu Baptista de Lima que Balasar
fora uma “vila luso-romana ainda da Cividade de Bagunte”. Deve ter deduzido
isto da tese de Alberto Sampaio sobre As
Vilas do Norte de Portugal e da ideia, certamente errada, de que o homem
que deu o nome à freguesia teria sido alguém muito importante nesses tempos
muito recuados.
Uma vila romana era um latifúndio, com vasto
edifício de habitação, celeiros, currais, etc. Uma vila luso-romana deveria ser
também uma exploração agrícola de grande dimensão. Mas onde estão os vestígios
arqueológicos dessa vila em Balasar?
Quem visita a Cividade de Bagunte não
precisa de ser muito entendido para verificar que não há ali construções
romanas, antes pequenas casas da tradição castreja. Com a ocupação do
território hoje português pelos romanos, os castros hão-de ter iniciado o seu
ocaso: não havia mais razão para passar a vida no cume dos montes, com todos os
incómodos que isso implicava.
Aquele autor relaciona o nome de Balasar
com o general Belisarius (melhor, Belisarios, pois ele era grego). Ora
tudo faz crer que o Belsar que deu nome à freguesia viveu apenas em finais do
séc. XII, princípios do XIII. Se Santa Eulália de Belsar faz a sua aparição nas inquirições e sucede à antiga Santa
Eulália de Lousadelo, entre outras
razões que desconhecemos, uma terá sido a de que Belsar construiu por essa
altura uma igreja nova.
Em conjunto, a toponímia e as
Inquirições de 1258 identificam em Balasar as quatro vilas já referidas. Numa
freguesia pequena como o Outeiro Maior, as inquirições identificaram três vilas
(Gacim, Outeiro e Fornelos); em Bagunte, houve a vila de Bagunte, Vila Verde, a
vila de Figueiró, a de Vilar, a de Carcavelos, a de Segemonde, etc. Mas eram
vilas góticas, isto é, casas de lavoura abastadas, a uma distância de quase
1000 anos das vilas romanas.
A arqueologia conhece vilas romanas
sobretudo no sul do país. Mesmo a vila Euracini
não terá passado duma vila gótica, pesem embora os achados romanos ocorridos na
Póvoa.
Ao menos nos séculos XI a XVI, a actual
freguesia de Balasar era constituída por duas paróquias. Nos séculos XI e
certamente XII, nenhuma se chamou Balasar. Além disso, pertenciam a Vermoim, o
que também pode indicar menor relação com a Cividade de Bagunte.
Parece-nos admissível que a Casa de
Cavaleiros, do Outeiro Maior, tenha sido a herdeira feudal dos direitos da
Cividade nas redondezas. Ainda em finais do século XIX, pertenciam a esta casa
muitos terrenos do Outeiro Maior, de Ferreiró, mas também de Arcos e Bagunte.
Além disso, terão sido de lá talvez os maiores benfeitores do Mosteiro de S.
Simão da Junqueira.
A Casa de Cavaleiros fica no início da
planície, para quem desce da Cividade, e ocorreram nela alguns achados romanos,
como também em Vila Verde, próximo do rio Ave, e até em Vilar, Bagunte. Poderemos
assim admitir que também Balasar, onde Cavaleiros possuiu bastantes bens (12),
tenha tido uma distante ligação à Cividade através desta casa. Gresufes, essa
relacionar-se-ia mais facilmente com o Castro de Penices.
[1]
Alguns documentos da Casa da Grandra, o tombo da freguesia e os da Comenda e
até as memórias paroquiais vêm do tempo
em que Balasar se integrava no concelho de Barcelos.
[2]
Estas vilas devem ser de origem gótica, mas se a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira afirma taxativamente
que “Balazar foi vila luso-romana da cividade de Bagunte”, o que podia valer para
Balasar também deveria de valer para Vila Pouca e Vila Nova…
[3]
Ver-se-á que um documento assinala ainda uma quarta vila, quando fala da Agra
de Vila.
[4]
“Itinerum cognitio multum lumen historiae”.
[5]
Quando, em 1831, a
ponte de D. Benta sofreu grave ruína, um visitador ordenou que a Câmara de
Barcelos fosse informada do estado em que ela se encontrava e nota esta
limitação em que ficam os moradores a norte do Este: “no tempo do Inverno”,
“não podem vir à igreja nem também serem assistidos e sacramentados nas suas
doenças”.
[6]
Estes portos, quando não correspondessem simplesmente a um vau, suporiam um
pequeno barco, capaz de transportar duas ou três pessoas e porventura também um
bovino ou até um muar. Há contextos onde a palavra porto significa apenas local
de passagem.
[8]
“Quicumque laboraverit in campo de portu de Agistrin, qui est Domini Regis,
faciat domino terrae suum servicium panis”.
[9] Em S.
Marinha de Vicente, em 1220, há “um lugar chamado Ponte” (loco qui dicitur Pons).
[10] Há
um registo de baptismo de 1669 que menciona um balasarense a quem chamavam o
Traquinada.
[11] Com
a deslocação da Igreja paroquial para o Matinho, surgiu naturalmente a
necessidade de uma nova ponte, próxima do lugar, a que mais tarde se há-de
chamar de D. Benta.
[12]
Em 1762, havia dez casas balasarenses que poagavam foros à Quinta de
Cavavleiros e se alguns deles eram diminutos (2 ou 3,5 rasas de trigo, 10 rasas
de pão), uma pagava 57 rasas de pão, outra 71, o que devia ser muito para a capacidade produtiva das terras.
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