sexta-feira, 25 de março de 2011

NAS DUAS MARGENS DO RIO ESTE


A maior parte da área de Balasar fica entre Ave e Este, o resto inclui-se entre Cávado e Este. O facto de se repartir pelas duas margens do rio, aliado a outros factores históricos, fez sempre da freguesia uma terra de fronteira.
Religiosamente, integrou-se muito tempo em Vermoim, que acabava em Guardinhos. Depois passou para o Arciprestado de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, que termina a nascente da freguesia.
Civilmente, começou por pertencer ao julgado e Faria, que ali acabava, pois Fradelos, por exemplo, já não lhe pertencia; depois integrou-se no grande concelho de Barcelos (1); passou a seguir para o da Póvoa, não sem durante breve período ser incluída no de Famalicão. Hoje, encravada entre terras dos concelhos de Barcelos, V. N. de Famalicão, Vila do Conde e Póvoa de Varzim, limita o distrito de Porto com o de Braga.
Quando se observa o que escreveu o reitor António da Silva e Sousa nas memórias de 1758, fica claro que esta freguesia era predominantemente terra do sul do rio: 116 fogos a sul e 19 a norte. Seis vezes mais fogos a sul que a norte.
Nos 500 anos que medeiam entre o tempo das Inquirições e o das memórias paroquiais, o número de fogos a norte quase estacionou.
As quatro igrejas paroquiais que Balasar teve ficaram todas a sul; as suas vilas medievais, idem; Belsar também foi do sul. Do sul, isto é, de entre Ave e Este.


Vilas, estradas, pontes e portos

As vilas de Balasar

É comum encontrar na área das paróquias medievais várias vilas rústicas. Há uma cantiga de amigo que identifica essas vilas simplesmente com casas, mas não eram certamente umas casas quaisquer, mas casas abastadas:

Vou-me a la bailia
Que fazem em vila
Do amor.

Vou-me a la bailada
Que fazem em casa
Do amor.

As Inquirições só identificam uma vila em Balasar, a Vila do Casal, mas a toponímia dá conhecimento de mais duas, Vila Pouca (2) e Vila Nova. A razão por que estas não são mencionadas é sem dúvida por os funcionários régios não verem nenhuma necessidade de se ocupar com Gresufes (a que estas vilas pertenceriam) (3).


Estradas, pontes e portos

Há uma frase latina que afirma que o conhecimento dos caminhos fornece muita luz à história (4). Realmente uma reflexão sobre as estradas, portos e pontes é da maior importância para conhecer o passado de Balasar.
Comecemos pelos portos.
Para a freguesia, em tempos antigos, um problema crucial era a travessia do rio. No Verão, ela poder-se-ia fazer com alguma ou até muita facilidade em vários lugares, mas ficava a questão do tempo invernoso, numa terra onde as cheias alagam campos e onde até se conhecia uma lagoa.
Como é que os moradores a norte do rio podiam cumprir, por exemplo, o preceito dominical, tendo de atravessar o Este (5)?
As Inquirições de 1220 falam dum porto (6), sem qualquer indicação que permita localizá-lo: “o homem que trabalha o campo do porto dá-lhe (ao senhor da terra) o seu serviço” (7). Mas em 1258 vem uma pista que ajuda à sua localização: “Quem quer que trabalhe no campo do porto de Agistrim, que é de El-Rei, faça ao senhor da terra o seu serviço de pão” (8). Certamente este “porto” ligava o norte do rio ao Casal.
Um segundo porto em Balasar era o que um documento de 1181 menciona, o porto das Fontainhas (portum de Fontaina), que permitiria a travessia do rio a quem vinha dos lados de Barcelos ou para lá se dirigia, do sul.
Os acessos da área da antiga Gresufes são uma questão à parte: parece que havia um eixo principal que ligava a Gandra a Vila Pouca e a Fiães (e antigamente a Penices), com saída para Barcelos e V. N. de Famalicão, e um outro eixo de Vila Pouca ao Casal.
De Fiães para Além houve ponte (9). O Tombo de 1542 também fala do porto de Escariz.
As duas vilas de Gresufes, ali nas proximidades do remoto castro de Penices e da residência de Correias, em Fiães, definem um espaço que foi activo.
O nicho do Senhor dos Aflitos é uma obra pia, mas assinala também um cruzamento considerado relevante.
Onde antes, em Balasar, se falava de portos, em 1343, assinalam-se pontes, o que implica um melhoramento de monta: a Ponte de Curucânio e a ponte de Grades. A ponte do Curucânio deveria ser a antepassada da da Traquinada (10), a de Grades (Guardes) ficaria próxima da actual do Vau (11).
Em 1758, havia duas pontes de pau: no lugar da Igreja, a que viria a ser de D. Benta, e no Casal, a da Traquinada. Por aqui se vê que o Vau foi predominantemente vau: quem o quisesse passar fá-lo-ia em tempo mais seco, por poldras, possivelmente; em tempo de mais água teria de ir ao Casal.
Em 1608, o Tombo da Comenda, ao delimitar a freguesia ainda menciona (anacronicamente, sem dúvida) um porto por alturas de Escariz:

Do dito cume do monte do Xisto, vai […]; e daí continua ao longo do valo da Seara de Manuel Francisco Malta, de Balasar, até dar num marco antigo que está na entrada da Azinhaga dos Fiães; e daí corre direito ao rio Este e desce pela veia de água ao vau do porto da Lousa e daí ao topete de Montilhão, partindo sempre com a freguesia de Gondifelos.


As cheias do Este

No Inverno, o rio Este alaga vastas áreas agrícolas, num espectáculo impressionante.
Isso acontece ainda antes do rio chegar à ponte que vai da Quinta para o Calvário, mas é sobretudo espectacular a seguir, devido àquela ligeira elevação onde está o Lousadelo e que ainda avança para norte. Ela estrangula a corrente, que, por ter dificuldade em escoar, submerge então larga porção da margem.
Nos escritos da Alexandrina, há uma referência à corrente impetuosa do rio, mas não propriamente a uma cheia:

Uma vez fui visitar a minha madrinha e tive de atravessar o rio Este, que levava grande corrente, chegando a abalar umas pedras que serviam de passadiço; e, sem reparar no perigo a que me expus, atravessei a corrente por essas pedras e a água ia-me levando. Foi milagrosamente que escapei à morte, bem como minha irmã que me acompanhava.

Mas se o rio, em momentos de cheia se transforma em verdadeiro lago, noutros períodos do ano proporciona encantos bucólicos.
As cheias de final de 2009 não foram certamente as maiores aí conhecidas, mas colocam-se aqui algumas fotografias que mostram uma Balasar que só bastante raramente se pode admirar e que põem em evidência como o rio a dividia.


Os assentos paroquiais conservam memória de vários afogamentos no rio Este. Por exemplo, este:

Aos três dias do mês de Abril de mil setecentos e oito, faleceu António Álvares, de Gresufes, sem sacamentos: caiu ao rio, morreu afogado. […]

***

Bom barqueiro, bom barqueiro

- Bom barqueiro, bom barqueiro,
Deixa-me passar,
Tenho filho pequeninos,
Não os posso sustentar.

- Passarás, passarás,
Mas algum há-de ficar;
Se não for o da frente,
Há-de ser o de trás.

Trecho popular recolhido pela Prof.ª Zulmira Linhares e que em Balasar faria um sentido que não tinha em muitos outros lugares.


Balasar, vila luso-romana?

Escreveu Baptista de Lima que Balasar fora uma “vila luso-romana ainda da Cividade de Bagunte”. Deve ter deduzido isto da tese de Alberto Sampaio sobre As Vilas do Norte de Portugal e da ideia, certamente errada, de que o homem que deu o nome à freguesia teria sido alguém muito importante nesses tempos muito recuados.
Uma vila romana era um latifúndio, com vasto edifício de habitação, celeiros, currais, etc. Uma vila luso-romana deveria ser também uma exploração agrícola de grande dimensão. Mas onde estão os vestígios arqueológicos dessa vila em Balasar?
Quem visita a Cividade de Bagunte não precisa de ser muito entendido para verificar que não há ali construções romanas, antes pequenas casas da tradição castreja. Com a ocupação do território hoje português pelos romanos, os castros hão-de ter iniciado o seu ocaso: não havia mais razão para passar a vida no cume dos montes, com todos os incómodos que isso implicava.
Aquele autor relaciona o nome de Balasar com o general Belisarius (melhor, Belisarios, pois ele era grego). Ora tudo faz crer que o Belsar que deu nome à freguesia viveu apenas em finais do séc. XII, princípios do XIII. Se Santa Eulália de Belsar faz a sua aparição nas inquirições e sucede à antiga Santa Eulália de Lousadelo, entre outras razões que desconhecemos, uma terá sido a de que Belsar construiu por essa altura uma igreja nova.
Em conjunto, a toponímia e as Inquirições de 1258 identificam em Balasar as quatro vilas já referidas. Numa freguesia pequena como o Outeiro Maior, as inquirições identificaram três vilas (Gacim, Outeiro e Fornelos); em Bagunte, houve a vila de Bagunte, Vila Verde, a vila de Figueiró, a de Vilar, a de Carcavelos, a de Segemonde, etc. Mas eram vilas góticas, isto é, casas de lavoura abastadas, a uma distância de quase 1000 anos das vilas romanas.
A arqueologia conhece vilas romanas sobretudo no sul do país. Mesmo a vila Euracini não terá passado duma vila gótica, pesem embora os achados romanos ocorridos na Póvoa.
Ao menos nos séculos XI a XVI, a actual freguesia de Balasar era constituída por duas paróquias. Nos séculos XI e certamente XII, nenhuma se chamou Balasar. Além disso, pertenciam a Vermoim, o que também pode indicar menor relação com a Cividade de Bagunte.
Parece-nos admissível que a Casa de Cavaleiros, do Outeiro Maior, tenha sido a herdeira feudal dos direitos da Cividade nas redondezas. Ainda em finais do século XIX, pertenciam a esta casa muitos terrenos do Outeiro Maior, de Ferreiró, mas também de Arcos e Bagunte. Além disso, terão sido de lá talvez os maiores benfeitores do Mosteiro de S. Simão da Junqueira.
A Casa de Cavaleiros fica no início da planície, para quem desce da Cividade, e ocorreram nela alguns achados romanos, como também em Vila Verde, próximo do rio Ave, e até em Vilar, Bagunte. Poderemos assim admitir que também Balasar, onde Cavaleiros possuiu bastantes bens (12), tenha tido uma distante ligação à Cividade através desta casa. Gresufes, essa relacionar-se-ia mais facilmente com o Castro de Penices.



[1] Alguns documentos da Casa da Grandra, o tombo da freguesia e os da Comenda e até as memórias paroquiais vêm  do tempo em que Balasar se integrava no concelho de Barcelos.
[2] Estas vilas devem ser de origem gótica, mas se a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira afirma taxativamente que “Balazar foi vila luso-romana da cividade de Bagunte”, o que podia valer para Balasar também deveria de valer para Vila Pouca e Vila Nova…
[3] Ver-se-á que um documento assinala ainda uma quarta vila, quando fala da Agra de Vila.
[4] “Itinerum cognitio multum lumen historiae”.
[5] Quando, em 1831, a ponte de D. Benta sofreu grave ruína, um visitador ordenou que a Câmara de Barcelos fosse informada do estado em que ela se encontrava e nota esta limitação em que ficam os moradores a norte do Este: “no tempo do Inverno”, “não podem vir à igreja nem também serem assistidos e sacramentados nas suas doenças”.
[6] Estes portos, quando não correspondessem simplesmente a um vau, suporiam um pequeno barco, capaz de transportar duas ou três pessoas e porventura também um bovino ou até um muar. Há contextos onde a palavra porto significa apenas local de passagem.
[7] Homo qui laborat campum de Portu dat ei suum servicium.
[8] “Quicumque laboraverit in campo de portu de Agistrin, qui est Domini Regis, faciat domino terrae suum servicium panis”.
[9] Em S. Marinha de Vicente, em 1220, há “um lugar chamado Ponte” (loco qui dicitur Pons).
[10] Há um registo de baptismo de 1669 que menciona um balasarense a quem chamavam o Traquinada.
[11] Com a deslocação da Igreja paroquial para o Matinho, surgiu naturalmente a necessidade de uma nova ponte, próxima do lugar, a que mais tarde se há-de chamar de D. Benta.
[12] Em 1762, havia dez casas balasarenses que poagavam foros à Quinta de Cavavleiros e se alguns deles eram diminutos (2 ou 3,5 rasas de trigo, 10 rasas de pão), uma pagava 57 rasas de pão, outra 71, o que devia ser muito para  a capacidade produtiva das terras.

Sem comentários:

Enviar um comentário